Os Blocos do Carnaval Carioca
Carnaval e tradição andam lado a lado, mas os blocos de rua mostram que essa festa está sempre se reinventando. No livro Os Blocos do Carnaval Carioca: o que são, o que dizem que são, o que podem ser e o que não são mais, pois já foram, o pesquisador Tiago Ribeiro mergulha na trajetória dessas agremiações, desde suas origens até a grandiosidade dos cortejos que hoje tomam conta do Rio de Janeiro.
Conversamos com o autor para entender melhor essa história e discutir a diversidade dos blocos, suas transformações ao longo do tempo e a relação entre o Carnaval de rua e as festas fechadas. Afinal, em uma festa tão plural, há espaço para todos os formatos — e queremos saber o que faz cada um deles especial.
Tiago Ribeiro
Tiago Ribeiro é jornalista, doutor e mestre em Arte e Cultura Contemporânea (UERJ). É professor de pós-graduação da disciplina História do Carnaval, com passagens pela Universidade Veiga de Almeida e Faculdade Censupeg. Pesquisador especialista na área, com artigos publicados no Brasil e no exterior, ainda acumula experiências como carnavalesco, julgador dos desfiles das escolas de samba e jornalista responsável pelo prêmio Plumas & Paetês Cultural.
Tiago Ribeiro é também autor do livro Uma Cidade Arquitetada na Fé – A História do Rio de Janeiro e da sua Expansão Urbana Testemunhada Pelas Igrejas.
[Ingresse]
Como começou o seu interesse pela pesquisa sobre o Carnaval? Você sempre foi folião ou seu olhar para o Carnaval veio mais pela curiosidade acadêmica?
[Tiago Ribeiro]
Eu sempre fui folião. Morava no interior do Rio de Janeiro e me apaixonei por carnaval assistindo desfiles de escolas de samba na TV. Também tive como referência meus tios (um fazia fantasias altamente elaboradas e outro era compositor de bloco da região), já que meus pais não eram muito fãs da folia. Isso sem contar minha avó, Cila, que guardava revistas Manchete de edições de carnaval... Foi lendo essas revistas que me despertou a vontade de pesquisar mais o assunto.
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[Ingresse]
O que te motivou a transformar essa pesquisa em um livro?
[Tiago Ribeiro]
Eu entrei no mestrado já pensando em publicar livro. Sempre quis que aquilo que eu produzisse na pós graduação não ficasse só ali na área acadêmica. Como jornalista, tenho sempre o interesse da circulação do conteúdo produzido e que seja compreendido por todos. A pesquisa do mestrado acabou não virando livro, mas essa do doutorado eu sabia que tinha muito apelo, já que os blocos de carnaval ainda não possuíam uma história contada, mas apenas o estudo sobre algumas fases desses grupos ou pesquisas sobre um ou outro bloco em específico. Quando acabei o doutorado, com a tese recomendada pela banca ao Prêmio da CAPES, tive a certeza. Logo depois participei de um concurso da Editora Multifoco e fui escolhido para ter a publicação do livro financiada por eles.
[Ingresse]
O título do livro já sugere a complexidade dos blocos de Carnaval. Afinal, como você definiria o que é um bloco de rua hoje? Com tantas manifestações diferentes, ainda podemos falar de um conceito único?
[Tiago Ribeiro]
Bloco é um termo usado por diversas manifestações carnavalescas, no Brasil inteiro. Existem os blocos de axé e blocos afros da Bahia, os blocos líricos do Recife... E no Rio, os blocos de enredo, blocos de embalo e blocos de rua. Dentre esses, os blocos de rua são os mais heterogêneos entre si, com o uso do termo "bloco" sendo disputado por grupos de diversos formatos, revelando a vitalidade dessa forma de brincar e sua liberdade formal. Neles, a vontade de brincar é tanta, que a ideia de um conceito único ganha menos importância.
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[Ingresse]
Seu livro foca exclusivamente nos blocos do Rio de Janeiro. O que te levou a essa escolha? Há algo nos blocos cariocas que os diferencia dos de outras cidades?
[Tiago Ribeiro]
Primeiro por ser o local em que vivo e faço minha pesquisa de campo enquanto me divirto. Segundo porque o Rio de Janeiro teve e tem um papel fundamental na criação e desenvolvimento dos blocos de carnaval. O bloco mais antigo que encontrei, por exemplo, é carioca. Mas o livro também, embora não tenha como fico outras cidades, também revela os diálogos entre os blocos do Rio e de outras cidades, principalmente o Recife, que, junto ao Rio de Janeiro, produziram os primeiros blocos de carnaval, a partir de 1906.
[Ingresse]
O livro resgata as origens dos blocos e suas evoluções ao longo das décadas. Você acredita que estamos vivendo um novo ciclo de transformação do Carnaval?
[Tiago Ribeiro]
Acredito que sim. O bloco de carnaval é uma oportunidade de repensar o uso da rua, do espaço público. A cidade não é um condomínio, mas um lugar público em que a gente pode se expressar. Os blocos conseguem capturar essa ideia, realizando uma interessante mistura entre festa e manifestação política.
[Ingresse]
Hoje, temos blocos que vão do samba à música eletrônica. Como você vê essa diversidade musical dentro do Carnaval de rua? É uma continuidade da história ou um rompimento com a tradição?
[Tiago Ribeiro]
Quando a gente fala da tradição dos blocos a pergunta que se faz é: a tradição de que época? Os blocos surgiram antes do primeiro samba ser gravado, logo, bem antes dele se constituir como um gênero símbolo do carnaval. Na década de 1910, por exemplo, havia blocos de todo tipo: neles se dançavam polcas, mazurcas e tangos, cantavam-se trovas sertanejas e cantigas populares, ao som de castanholas, gaitas, flautas e outros tantos e diferentes instrumentos e ritmos. Um cenário que lembra muito a multiplicidade dos dias de hoje. Ainda assim, nos anos 1910, havia quem defendesse que os blocos fossem conjuntos de gente "Chique e elegante". Nos anos 1930, há uma defesa para que os blocos fossem conjuntos exclusivamente masculinos... Ou seja, a cada época uma noção de tradição se constitui (ou tenta se constituir), e vai "vencer" aquela que conseguir mais adeptos. É um belo diálogo entre a tradição e a inovação!
[Ingresse]
Você acredita que os blocos de enredo e os blocos tradicionais podem desaparecer com a popularização dos blocos que tocam outros estilos?
[Tiago Ribeiro]
Como os blocos não são uma coisa, mas um sentimento, eles podem, todos eles, desaparecer se todo mundo resolver que aquilo não tem mais importância. Nos blocos há espaço para tudo, então não acho que são os novos blocos que podem fazer com que os antigos desapareçam, mas sim a não renovação de público dos blocos pré existentes. E como eu percebo por aí, este público não é necessariamente distinto entre si. Tem muita gente circulando e interessado por todos esses espaços. O desafio para cada grupo é pesar o quanto de sua tradição é importante e o quanto de inovação pode lhe ser interessante. Sempre vai ter um novo bloco surgindo e uma nova moda se estabelecendo, então isso é um exercício continuo.
[Ingresse]
No livro, você mostra como os blocos de Carnaval assumiram diferentes formatos ao longo da história. O que mais te surpreende nessa diversidade?
[Tiago Ribeiro]
Umas das coisas que mais me chamaram a atenção é a noção de que bloco é uma manifestação espontânea e mais livre. Todas as vezes em que se estabeleceram formatos mais específicos a estes grupos, eles acabaram se tornando um novo tipo de bloco, mantendo o termo "bloco" mas tornando-se uma espécie de subtipo deles. Foi assim com os blocos de embalo, com os blocos de enredo... Isso mostra como a espontaneidade acaba sendo a regra, uma característica que se mantém firme há mais de um século.
[Ingresse]
Hoje, além dos blocos, temos uma explosão de festas fechadas no Carnaval. Você vê essas festas como uma extensão do Carnaval de rua? Um novo perfil de público buscando experiências mais variadas?
[Tiago Ribeiro]
As festas fechadas no carnaval existem desde o surgimento do chamado carnaval moderno no Brasil, com os bailes de máscaras e à fantasia, do início do século XIX. E tanto essas festas fechadas como o carnaval de rua sempre dialogaram entre si, uma se inspirando na outra. Mas em relação aos blocos de rua atuais eu acho sim que é possível traçar um paralelo mais evidente. Se os blocos dos anos 1920 dialogaram com os ranchos, se os blocos das repartições públicas dos anos 1950 dialogavam com as grandes sociedades e se os blocos de enredo dialogam com as escolas de samba... Os blocos de rua atuais conversam bastante com as festas. Seja no ritmo, que engloba música pop e eletrônica, mas também no perfil de público.
[Ingresse]
O que você acha que uma festa precisa ter para capturar o verdadeiro espírito carnavalesco?
[Tiago Ribeiro]
Acho que as festas que assimilam em seu repertório hits carnavalescos e conseguem convencer seus frequentadores a se dedicarem na elaboração de fantasias já têm meio caminho andado nessa missão festiva.
[Ingresse]
Se os blocos são uma festa em constante construção, como você vê o futuro do Carnaval com essa coexistência entre festas fechadas e blocos de rua?
[Tiago Ribeiro]
Acho que uma pode aprender com a outra. Uma coisa que costumo viver e ouvir bastante por aí é que no bloco você não enfrenta fila, você bebe barato. Por outro lado, dentro de uma festa fechada você se sente um pouco mais seguro. Logo, a cobrança por maior segurança pública nas ruas e por preços mais acessíveis nas bebidas das festas fechadas podem ser um bom começo para aproximar ainda mais esses eventos.